Por que Michel Temer deve receber 300 mil reais por danos morais decorrentes de uma entrevista alegadamente caluniosa e aqueles que tem seus filhos, pais e familiares mortos por violência policial ou pelo descaso de grandes empresas recebem mixarias?
Embora seja necessário olhar para a capacidade econômica daquele que causa o dano para chegar ao valor da indenização, não se pode confundir essa perspectiva com uma defesa da análise do cenário financeiro daquele que é ofendido como parâmetro pra fixação de valores. Afinal, se a indenização mal faz diferença nos caixas da empresa ou Estado, impossível que a condenação sirva de desestímulo a ocorrência de casos semelhantes e, portanto, revele seu caráter punitivo e pedagógico. Por outro lado, olhar para a conta bancária da vítima acaba por levar ao entendimento de que o sofrimento de uns vale mais que o sofrimento de outros.
Não é raro em nossa advocacia, sempre ao lado das vítimas, nos depararmos com frases que dão a entender que a população pobre está habituada à tragédia, de que o sofrimento de um familiar morto já virou parte do cotidiano, de que o desespero de um tiroteio já foi banalizado. Pior, que a indenização poderia servir quase como “prêmio” para a família, causando seu enriquecimento. Há até aqueles que ousam dizer que alguém seria capaz de causar dano a si mesmo para receber indenização.
Todo esse discurso, ancorado no preconceito, na absoluta desconsideração e desprezo pela vida e sofrimento do outro e na falta de empatia, é que possibilita a disparidade absoluta nos valores das indenizações.
Como pode uma pessoa que sofreu racismo em um supermercado receber uma indenização de 7 mil reais, famílias que perdem filhos para a violência policial ou sucateamento de estruturas de transporte, por exemplo, receberem valores amesquinhados a título de reparação, enquanto Michel Temer deverá receber 300 mil reais por violação à sua honra?
Não se quer entrar no mérito da ação em que foi vencedor o ex-Presidente, mas destacar o trabalho aguerrido para que todos recebam montante de indenização que efetivamente estampe para a sociedade a rejeição do Poder Judiciário diante de atitudes que violam os direitos humanos, os direitos da população de ser transportada com saúde e segurança, com vida, de ter acesso ao atendimento médico adequado, entre outras violações que a população brasileira enfrenta em sua penosa rotina.
Verificada a ocorrência do dano, todos deveriam receber um montante justo de indenização, não apenas o homem, rico e branco. Todos deveriam ser tratados como o ex-vice-presidente.