Por João Paulo Saconi – O Globo – 06/06/2020
O Google excluiu de sua plataforma de armazenamento um arquivo disponibilizado na quinta-feira por um usuário com dados de 3 mil pessoas que aderiram publicamente, por meio das redes sociais, ao movimento denominado como antifascismo. As 999 páginas carregadas no Google Drive (ferramenta para disponibilizar documentos online) continham informações como nome completo, foto e profissão dos ativistas, contas deles em redes sociais, números de documentos e placas de carro, endereços e telefones. A divulgação violou os termos de serviço da empresa.
A compilação de dados foi publicada na web por um usuário identificado pelo nome “Silvia Senne” e podia ser acessada através de um link, que se espalhou por grupos de Whatsapp com apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. As pessoas expostas, em sua maioria, fizeram publicações associando a própria imagem ao símbolo da causa ou escreveram comentários sobre o tema.
A campanha antifascista tem crescido nas redes sociais pela atuação de ativistas que apontam um viés autoritário no bolsonarismo, comparando-o com movimentos históricos marcados por autocracias centralizadas em figuras ditatoriais. Adeptos do movimento saíram às ruas na última semana para protestar contra Bolsonaro. Houve confusão com a polícia em São Paulo, Rio e Curitiba.
— A produção desse dossiê é não apenas uma absurda e evidente violação dos princípios de proteção de dados e da disciplina da internet, mas principalmente um inaceitável vilipêndio dos mais basilares direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, tais como liberdade de expressão e pensamento e o direito à privacidade, intimidade e imagem — afirma a advogada Maria Isabel Tancredo, cuja atuação é voltada para a área de direitos humanos.
Procurado pelo Sonar, o Google afirmou que não comenta casos específicos. Nas regras de privacidade de produtos da empresa há um tópico sobre informações pessoais e confidenciais, que pede ao usuário para não compartilhar “informações privadas e confidenciais das pessoas (…) ou qualquer outra informação que não seja acessível ao público”.
O advogado criminalista Rafael Borges explica que a compilação desses dados, bem como a divulgação deles, pode ter envolvido crimes que poderiam ser descobertos a partir de uma investigação policial.
— Se um banco de dados do serviço público, como o do Detran, tiver sido utilizado para recolher as informações, quem fez isso pode ser responsabilizado criminalmente. Também pode ser entendida com um crime contra a honra a divulgação desses dados associados ao rótulo de “terrorista”, uma vez que não há tipificação penal que enquadre o antifacismo, um movimento social tão genuníno quantos os outros — afirma Borges.
O advogado também diz que um desdobramento jurídico para o caso, fora da área criminal, é um possível enquadramento por improbidade jurídica do autor ou autores do dossiê, caso sejam autoridades ou servidores públicos que tenham utilizado a estrutura do Estado (incluindo bancos de dados como os do Detran, por exemplo) para reunir as informações ou mobilizar esforços na criação do documento.