Ao menos 17 pessoas, entre elas deputados, um blogueiro, um youtuber e um ator serão processadas por Adriana Santana de Araújo, de 43 anos, mãe de um dos mortos no dia 6 no Jacarezinho, na operação policial considerada a mais letal da História do Rio. A microempresária entrou com pedidos de indenização por danos morais na última semana. Ela acusa todos de compartilharam um vídeo falso em que era associada ao tráfico de drogas. A publicação inicial foi do deputado estadual Filippe Medeiros Poubel (PSL-RJ). A defesa pedirá na Justiça R$ 40 mil de cada um.
— Quero que ele (Poubel) tenha uma vida boa, conheça Deus e tenha amor. E que ele reconheça que o que ele foi comigo não se faz com ninguém. Ele sujou a minha imagem e a imagem de outra família. Sou íntegra e trabalhadora. Assim como eu, a outra mulher correu risco de vida. Era um momento de luto meu e uma festa de aniversário de uma outra família e eles fizeram uma junção para me atacar. Eu fui a mais prejudicada. Que a Justiça o condene e que ele pague pelo que fez — afirmou Adriana.
Poubel já apagou o vídeo de suas redes sociais. Através de sua assessoria, o deputado disse que não foi notificado do processo. Ele afirmou que seu compromisso como parlamentar sempre será “a defesa dos direitos constitucionais dos cidadãos de bem e a valorização das forças de segurança pública”.
Outros acusados
Também são alvo de processos os deputados estaduais Gildevanio Ilso dos Santos Diniz, o Gil Diniz (sem partido-SP); Sheila Aparecida Pedrosa de Mello Oliveira; a Delegada Sheila (PSL-MG); e Poubel. O deputado federal Luis Cláudio Fernandes Miranda (DEM-DF), o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, o ator Thiago Gagliasso e o youtuber Victor Lucchesi também são alvos do processo. Todos reproduziram a postagem, que foi desmentida pela Polícia Civil fluminense. O EXTRA tenta contato com a defesa de todos os citados (veja abaixo os que já se pronunciaram sobre o caso).
O vídeo, que viralizou nas redes sociais, mostrava imagens de outra mulher, a empregada doméstica desempregada Rosana Contas do Carmo, de 49 anos, com a mãe dela, a costureira Vera Lúcia Coutas, de 69. Ambas apareceram segurando armas, que elas alegam ser de airsoft. A gravação teria ocorrido em janeiro, em uma encenação para um canal do YouTube.. Em razão da semelhança física, Adriana foi identificada erroneamente nas cenas.
A microempresária é mãe de Marlon Santana, de 23 anos, considerado suspeito de integrar o tráfico da favela. Ele tinha uma anotação por posse de drogas para uso pessoal, de 2016, cujo processo foi arquivado. Desde as primeiras horas após a operação na favela, Adriana acusou policiais de execução: “eles entraram para matar”. À dor da perda, somou-se a do ataque à sua integridade, após muitos compartilharem o vídeo afirmando que ela aparecia nas imagens.
Adriana pede o pagamento de indenização a cada um dos citados, a retirada dos vídeos e uma retratação em suas redes sociais. Tancredo quer que seja feita também uma retratação pública em um jornal de grande circulação que, segundo ele, “servirá para limpar a imagem da Adriana”.
— Vamos processar todos. Essa ação serve como exemplo, porque não se deve propagar mentiras. Você destrói a vida de uma pessoa. (A dona Adriana) É uma pessoa simples e esse processo será como um freio. Eles foram criadores e disseminadores de fake news. Quem compartilha alguma coisa, seja onde for, tem que saber o que está compartilhando. Já entramos com a ação contra sete a agora surgiram mais 10 pessoas que compartilham e fizeram comentários. Estamos processando cada um pessoalmente — diz João Tancredo.
O advogado pediu urgência ao Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) para que houvesse a retirada dos vídeos do ar. Na tarde desta quarta-feira, a Justiça determinou que quatro deles apagassem o conteúdo de todos os seus perfis, sob risco de multa diária de R$ 200 enquanto o vídeo estiver no ar. A determinação é para Allan dos Santos, Delegada Sheila, Luis Miranda e Victor Lucchesi.
Na última semana, ao EXTRA, a defesa de Rosana e Vera Lúcia (as mulheres que estão no vídeo) já havia dito que processaria o deputado estadual Filipe Poubel e o blogueiro Allan dos Santos.
Viver o luto
Quase um mês após perder o filho, dona Adriana recebeu a reportagem na casa simples onde ela mora, em um bairro da Zona Norte. A mãe de Marlon contou que, desde a morte do filho e a exposição de sua imagem – em um vídeo forjado – ela não consegue dormir, comer e toma cinco comprimidos diferentes por dia, por conta da depressão. A microempresária, que nas horas vagas distribui comida para moradores de rua, diz que é preciso frear quem dissemina notícias mentirosas nas redes sociais e que acaba destruindo a reputação das pessoas. Dona Adriana conta ainda que não conseguiu ter seu momento de luto.
— Eu só fui saber (que estavam divulgando informações falsas) no domingo, depois do enterro do Marlon. Pela situação que eu estava passando, ninguém quis me contar. Só depois do sepultamento, o meu filho mais novo perguntou se eu tinha visto a quantidade de gente que estava compartilhando e se eu estava sabendo o que acontecia. Eu não tenho muitas redes sociais. Quando eu vi, pensei: ‘meu Deus, o que é isso?’. No meu Messenger, tinha muitas mensagens dizendo que eu poderia estar lá no dia para eu morrer junto. Que eu era bandida — relatou, chorando.
Adriana afirmou que trabalha vendendo salgados:
— Eu sou trabalhadora. Eu vendo salgado. Trabalho em casa para cuidar do meu tio que é acamado. Trabalho para ajudar a minha família. Eu jamais iria segurar uma arma. Jamais iria empunhar um fuzill.
Adriana afirmou que precisa viver seu luto, o que não conseguiu:
— Eu queria duas coisas. Uma é impossível, que é ter meu filho de volta. E a segunda é poder viver meu luto em paz. Eles não estão deixando eu viver o meu luto em paz. Eu queria sentar em um cantinho com a foto do meu filho pequeno para senti-lo. Escutar as mensagens de voz do meu filho. Quase um mês depois, não consigo viver meu luto, porque é muita gracinha. É muita ameaça. Eu tenho medo de sair de casa. Para que eu possa ter o meu luto, eu recorri à Justiça — contou.
A mãe de Marlon voltou a acusar os policiais de truculência durante as operações policiais.
— É sempre assim. Ele entram e matam. Eles não podem fazer aquilo. Eu sai da comunidade em novembro porque a polícia não respeita. Eles invadem a casa do morador. Batem, agridem e matam.
O que dizem os citados
Ao EXTRA, a deputada Sheila Aparecida disse desconhecer o processo e que ficou sabendo do caso pela imprensa. A parlamentar mineira contou que republicou “o que era de domínio público”. E informou ainda que “fez um paralelo entre a mãe do jovem e os bandidos” e que nem sabe onde aconteceu o fato.
– Em meu texto, nunca falei que ela era bandida. Eu nunca disse. Não coloque palavras na minha boca. E sobre o vídeo, depois que eu vi que não tinha relação, eu retirei há mais de um mês – informou.
Em nota, o deputado federal Luís Cláudio afirmou que “não tinha conhecimento desse processo até o contato da imprensa”. Segundo ele, “seguindo o entendimento do judiciário, nossa equipe já removeu o vídeo”. Por fim, o deputado federal argumentou que “a publicação teve como único objetivo a defesa das forças policiais, bandeira que carrego orgulhosamente e pela qual seguirei lutando de forma implacável”.
O EXTRA tenta contato com a defesa dos outros citados.