Por O Globo – 14/03/2019
RIO — O Tribunal de Justiça do Rio decidiu na terça-feira que um conjunto de 319 cartas do comunista Luís Carlos Prestes e de sua primeira mulher Olga Benário, que iria à leilão em novembro, deve retornar à filha do casal, Anita Leocádia Prestes. A decisão é do juiz tabelar Fernando Rocha Lovisi, do 6º Juizado Especial Cível, mas cabe recurso. A sentença foi tornada pública nesta quinta-feira.
Anita entrou com uma ação para impedir que o lote com as correspondências — de Olga Benário (mulher do líder comunista), de Anita e da mãe de Prestes, Leocádia — fosse à leilão depois que uma reportagem do GLOBO revelou a existência do leilão de cartas e como, de modo ainda desconhecido, elas foram achadas no lixo em Copacabana. Posteriormente, o material foi revendido ao comerciante Carlos Otávio Gouvêa Faria, por um valor não divulgado.
Ainda em novembro, o TJ já tinha emitido uma decisão liminar, a pedido de Anita Leocádia Prestes, para impedir que a documentação fosse vendida. Soraia Cals, responsável pelo pregão à época, disse que o lance mínimo era de R$ 320 mil no lote e que vai recorrer da decisão.
Na decisão, o juiz decidiu devolver as cartas para Anita porque entendeu que mesmo que a documentação tivesse integrado acervo público em algum período ela não foi extraviada do Arquivo Público do Rio de Janeiro que recebeu a documentação oriunda da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops) em 1992.
“Assim, se do Aperj não foram extraviadas, para lá não devem ser enviadas. Mesmo porque, agora, dado ao lapso de tempo decorrido desde 1992 até a descoberta do leilão em 2018, entendo que deve o lote ser entregue à parte autora, historiadora da UFRJ, que, certamente, dará a destinação a que alude nestes autos e que melhor dignificará a história vivida por seus pais. Ademais, entendo que as cartas, muitas delas escritas por Olga Benário, como também asseverado pelo Aperj, possuem caráter estritamente pessoal, pois redigidas por uma mulher ao homem que amava, em momentos de insofismável tristeza e angústia por conta do encarceramento de ambos, e pela filha deles ao pai, dentre outras”, descreveu o juiz.
A sentença também ressalta o caráter pessoal da documentação. “Não obstante a inegável carga histórica, entendo que o conteúdo das cartas dizem respeito somente à parte autora, única filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benário, que as trará a público se assim lhe aprouver”, aponta o juiz na decisão.
Para resolver o impasse, o magistrado também descartou o mistério que envolve o lugar onde essas cartas estavam guardadas até o ano passado. Para ele, o importante é que se desconhecia o paradeiro destes documentos anteriormente. “Importante ressaltar que é desinfluente para o deslinde desta controvérsia se o lote de cartas foi extraviado do Partido Comunista por agentes que adentraram o recinto quando do cancelamento de seu registro pelo TSE em 1947, como afirma a parte autora, ou se o próprio Luiz Carlos Prestes ou seus sucessores o abandonou no lixo, conforme tese da defesa, embora não seja crível para este Juízo essa segunda alegação”, decidiu o juiz.
– A mercantilização das cartas via leilão era um descalabro. A decisão faz jus à importância histórica de seus autores e dos documentos, extraviados em um período de grave violação dos princípios democráticos. Agora Anita terá seu merecido contato pessoal com as cartas e, em seguida, as disponibilizará para consulta pública através do acervo digital do APERJ e da Universidade Federal de São Carlos – afirmou o advogado de Anita Leocádia Prestes, João Tancredo.
Procurada, a leiloeira Soraia Cals disse que vai recorrer da decisão e que achou a sentença estranha.
– O que causa estranheza é como o juiz pode ter tido todas essas informações se as cartas não estão nos autos. Ele fez considerações e não conhece as cartas. Só tem 30 cartas de Olga para Prestes – diz Soraia, ao afirmar que o lote possui diversas outras correspondências com outros integrantes da família Prestes. – Não seria então um acervo que pertenceria só a Anita e sim à família – completou.