Por Rafael Soares – Extra – 02/05/2021
O dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, foi assassinado, aos 26 anos, por um tiro disparado por um policial militar no Pavão-Pavãozinho, na Zona Sul do Rio, em abril de 2014. DG foi baleado pelo PM Walter Saldanha Corrêa Júnior, lotado à época na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da favela, quando estava pendurado no parapeito de uma casa, tentando fugir de um tiroteio, sem chance de defesa. O rapaz, que integrava o elenco do programa “Esquenta!”, comandado por Regina Casé, na Globo, não portava arma alguma.
Saldanha foi apontado como o atirador por um colega de farda, a quem teria dito, após o disparo fatal, a frase: “Acho que acertei aquele ganso” — o termo é usado por PMs para se referir a traficantes. Até hoje, entretanto, o crime está impune: o caso tramita na Justiça há mais de cinco anos sem sentença. Nesse período, o réu seguiu trabalhando na PM, onde foi promovido de soldado a cabo e até condecorado: em 2019, a corporação concedeu a Saldanha o distintivo “Lealdade e Constância”, criado para premiar PMs que não sofreram punições em dez anos. Atualmente, ele bate ponto no 26º BPM (Petrópolis).
A situação de Saldanha não é exceção. O EXTRA localizou 20 processos no Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) em que policiais respondem por homicídios há mais de cinco anos, sem sentença na primeira instância até hoje. As ações têm como réus 44 agentes, que respondem pelos assassinatos de 43 pessoas. Mais da metade desses policiais, 26 ao todo, segue trabalhando normalmente em suas corporações. Cinco estão presos por outros crimes, dois se aposentaram e 11 foram expulsos.
— Parei de ter TV em casa porque não aguentava mais ver caso de outros meninos que foram mortos pela polícia depois do Douglas. Não tem um dia em que eu não pense nele — conta Maria de Fátima Silva, mãe de DG.
Procurado, o TJ-RJ não se manifestou sobre a demora nos julgamentos.
Atualmente, a defesa de Saldanha recorre da decisão que determinou sua submissão a júri popular, em agosto de 2018. Em fevereiro passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o mais recente dos recursos.
Há processos analisados que ainda estão na fase de audiências, em que o juiz ouve testemunhas de acusação e defesa. É o caso da ação que julga os dois PMs acusados do homicídio de Claudia Silva Ferreira, arrastada por uma viatura da PM por 300 metros na Zona Norte do Rio, em março de 2014. A última audiência sequer foi marcada.
Enquanto não sabe se será levado à júri, o capitão Rodrigo Boaventura, que era tenente na época do crime, segue ocupando cargos de chefia. No ano passado, ele foi cedido pela PM à Secretaria estadual do Ambiente e Sustentabilidade, onde trabalha como coordenador operacional da Superintendência de Combate aos Crimes Ambientais. O outro réu pelo crime, o sargento Zaqueu Bueno, trabalhava normalmente na PM até dezembro do ano passado, quando foi preso acusado de integrar a milícia que domina o Quitungo, na Zona Norte do Rio.
Em 2012, o TJ calculou que, em média, processos levavam um pouco menos de quatro anos do início da instrução até a sentença. Entre as ações analisadas pelo EXTRA, há cinco casos em que a denúncia foi recebida há mais de dez anos — ou seja, mais do que o dobro da média. Um desses processos é o que julga os três PMs acusados do homicídio do eletricista Josenildo Estanislau dos Santos, executado com um tiro na nuca em abril de 2009, no Morro da Coroa, na Região Central do Rio. O processo tramita no TJ desde julho de 2009. Em 2014, a Justiça determinou a realização do júri. A sessão já foi desmarcada três vezes nos últimos quatro anos. A nova data marcada para o julgamento é 22 de março do ano que vem. Os réus, os sargentos Vagner Santana e Jubson Souza e o major Leonardo Nunes, seguem na PM.
Um dos processos analisados já poderia estar arquivado — e o homicídio, ainda impune — se não fosse um recurso movido pela mãe da vítima. É o caso de três PMs acusados de terem matado um jovem no Morro da Providência, no Centro do Rio, e alterado a cena do crime em seguida, em setembro de 2015.
Os cabos Paulo Roberto da Silva e Pedro Victor da Silva Pena e o soldado Gabriel Julião Florido foram flagrados, num vídeo feito por uma moradora, colocando uma arma na mão do adolescente Eduardo Felipe Santos Victor, de 17 anos, que já estava ferido e caído no chão. Em seguida, um dos agentes faz dois disparos segurando a mão de Eduardo na arma, aparentemente simulando um confronto.
Em maio de 2019, o juiz Daniel Werneck Cotta, da 2ª Vara Criminal, absolveu os agentes com o argumento de que o vídeo, “embora aparentemente retrate conduta reprovável”, não prova que os PMs mataram a vítima. Em outubro do ano passado, após a família da vítima, representada pela Defensoria Pública, recorrer da decisão, os desembargadores da 8ª Câmara Criminal derrubaram determinaram que o trio vá à júri. Em seu voto, a desembargadora Suely Magalhães apontou que não ficou comprovada a versão dos PMs de que houve tiroteio.
O crime mais antigo cujo processo segue sem sentença é a Chacina de Nova Brasília, em que 13 pessoas foram mortas numa operação da Polícia Civil com a participação de PMs em outubro de 1994. Apesar de as provas periciais apontarem para a execução das vítimas — uma delas, o protético Evandro de Oliveira, foi morta com um tiro em cada olho —, o caso só foi denunciado à Justiça em maio de 2013.
Quatro policiais civis e dois militares foram reconhecidos como os responsáveis por capturar as vítimas, ainda com vida, em suas casas, e são réus pelos crimes. Atualmente, só os inspetores Rubens Bretas e Ricardo Martins são policiais. Os demais réus foram expulsos de suas corporações.