Por Carolina Heringer – O Globo – 07/04/2019
Em cinco anos, de 2014 a 2018, o governo do Rio foi obrigado a pagar mais de R$ 11 milhões em indenizações a vítimas de balas perdidas ou a parentes de pessoas que morreram ao serem atingidas durante tiroteios entre policiais e criminosos. No período, 104 processos foram julgados, e juízes condenaram o estado em 58, ou seja, em 55% dos casos.
O levantamento foi feito pelo Anuário da Justiça do Rio de Janeiro, da editora ConJur, e teve como base apenas julgamentos em segunda instância — que receberam sentenças após a apresentação de recursos. O valor pago pelo estado engloba apenas as indenizações por danos morais, não contabiliza pensões vitalícias, que são comumente concedidas tanto para vítimas que ficam com sequelas quanto para parentes, nos casos de morte.
Victor Gabriel Ramos da Conceição, hoje com 10 anos, tinha apenas 7 quando foi atingido por dois tiros, no peito e na barriga, durante um confronto entre bandidos e PMs da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Morro da Mangueira. Ele brincava numa calçada, perto de casa, na hora em que o confronto começou. Depois de uma semana hospitalizado, o menino teve alta. Não ficou com sequelas graves no corpo, mas ainda luta para superar o trauma.
— Graças a Deus, meu filho está vivo. Mas ele sofre até hoje, ouve barulho de tiros e entra em pânico. Também reclama muito da cicatriz na barriga, diz que sente muitas dores e fica me perguntando se não há como retirá-la — contra Graciane Ramos, mãe de Victor.
Dever é proteger
O estado foi condenado a pagar R$ 30 mil de indenização a Victor Gabriel. Nunca ficou comprovado se os tiros que atingiram o garoto partiram da arma de um PM ou traficante. Ainda assim, a Justiça do Rio — em primeira e segunda instância — entendeu que o estado deveria ser responsabilizado pelos danos causados à criança.
“O primeiro objetivo do policial militar é proteger a vida do cidadão, evitando o enfrentamento com bandidos se houver risco à integridade física da população inocente. Este é o princípio fundamental que deve orientar a conduta dos policiais nas operações que realizam rotineiramente, notadamente num estado com intoleráveis índices de criminalidade”, escreveu o desembargador Luciano Saboia Rinaldi de Carvalho, relator do processo em segunda instância.
A decisão foi favorável a Victor Gabriel, mas nem sempre o entendimento da Justiça segue na mesma direção. Há casos em que pedidos de indenização são negados porque magistrados consideram necessário comprovar que partiu da arma de um policial o tiro que atingiu a vítima ou que houve algum tipo de omissão por parte de agentes públicos.
Foi isso que aconteceu ao fim de uma ação impetrada pela família de Adriene Solan do Nascimento, morta por uma bala perdida na Rocinha. Parentes da vítima pediram indenização ao estado, porém, como não foi identificada a origem do disparo, a Justiça o considerou improcedente. O advogado João Tancredo, especialista em processos desse tipo, pondera que, muitas vezes, é praticamente impossível conseguir uma prova de autoria:
— Temos casos em que o projétil atravessa o corpo da vítima e não é possível encontrá-lo, o que impede a realização de exame de confronto balístico. Mas, hoje, a posição majoritária no Tribunal de Justiça é de que basta comprovar a realização de uma atividade policial na área em que a pessoa levou o tiro.
A indenização mais alta do período pesquisado pelo Anuário da Justiça do Rio de Janeiro é de R$ 900 mil. O estado foi condenado a repassar esse valor para a família de Fabiano Maciel da Costa, morto ao ser atingido por uma bala perdida durante um confronto entre PMs e assaltantes na Vila Valqueire, em outubro de 2012. O governo, no entanto, está recorrendo da decisão no Superior Tribunal de Justiça.
— Quando não cabe mais recurso, o estado emite um precatório para que o valor seja pago. Aí, a família entra numa fila para recebê-lo. Infelizmente, trata-se de um processo muito lento — afirma Tancredo, que defende a família de Fabiano.