Por Júlia Barbon – Folha de São Paulo – 16/06/2020
RIO DE JANEIRO Mais de três anos depois, a Justiça determinou que o Governo Estadual do Rio de Janeiro pague uma indenização que soma mais de R$ 1 milhão por danos morais à família da menina Maria Eduarda da Conceição, 13. Ela foi morta dentro da escola durante uma ação policial em Acari, na zona norte carioca. O pai e a mãe devem receber R$ 280 mil cada um, e os cinco imãos, R$ 90 mil, acrescidos de juros e correção monetária. O Estado também terá que ressarcir as despesas com o funeral, no valor de R$ 2.000, e manter o tratamento psicológico e psiquiátrico que vem sendo prestado aos parentes. Ele negou a indenização a um casal de tios e dois primos da adolescente. |
“É totalmente previsível que uma incursão policial em uma comunidade extremamente violenta implicará em confronto e troca de tiros, fato que também é evitável. E considerando que esse confronto se deu às 14h, quando as ruas estão repletas de transeuntes, é totalmente previsível que terceiros inocentes serão alvejados”, escreveu o juiz André Pinto, da 16a Vara de Fazenda Pública do Rio. Segundo ele, o Estado “agiu em momento e horários inadequados, sem inteligência, segurança e destreza”, e a troca de tiros em incursões policiais poderia “ser perfeitamente evitada com medidas preventivas de segurança, como ação de inteligência, melhores treinamentos dos agentes para prestação mais eficiente do serviço etc.” O advogado dos parentes da menina, João Tancredo, disse que a família está indignada com o valor e vai recorrer da decisão. Também criticou a determinação para que o governo conceda tratamento psicológico e psiquiátrico na rede pública. “A sentença da indenização é deplorável”, afirmou ele à Folha. “Quem em sã consciência vai parar dentro de um hospital atrás de um psiquiatra? O que o juiz fez foi dar com uma mão e tirar com a outra. É um perversidade, essa sentença é uma segunda morte da Maria Eduarda.” Procurada, a Procuradoria-Geral do Estado respondeu apenas que, “assim que for regularmente intimado, o Estado irá analisar a sentença e avaliar o recurso cabível”. A morte de Maria Eduarda, em 30 de março de 2017, causou uma grande comoção no país. No mesmo dia, circulou um vídeo de dois policiais, o cabo Fábio de Barros Dias e o sargento David Gomes Centeno, do 41o Batalhão da Polícia Militar, atirando a queima roupa em dois homens já baleados no chão, próximos ao colégio. A denúncia do Ministério Público sustenta que, durante uma operação no complexo de favelas da Pedreira, os dois agentes, que estavam abrigados a uma longa distância, atiraram várias vezes em direção à Escola Municipal Daniel Piza ao verem traficantes armados fugirem junto ao muro da instituição. Quatro desses disparos, então, teriam atingido Maria Eduarda, que participava da aula de educação física. A perícia só conseguiu determinar a autoria de um deles, que partiu do fuzil usado pelo cabo Fábio Dias e acertou a coxa da adolescente. Os dois policiais foram presos em flagrante naquele dia pela morte dos dois homens, mas foram soltos no mês seguinte. Segundo o advogado João Tancredo, o processo que trata desses dois homicídios foi arquivado, ao passo que o processo sobre a morte de Maria Eduarda ainda está em andamento. Ambos os agentes foram acusados por homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar) e aguardam o julgamento em liberdade, exercendo funções administrativas no Centro de Recrutamento de Seleção de Praças, em Sulacap, informou a PM. A corporação afirmou que o inquérito policial militar instaurado para apurar o caso internamente foi encaminhado para a Auditoria de Justiça Militar do estado. Os dois agentes já haviam se envolvido em 37 autos de resistência (mortes decorrentes de ações policiais) antes da morte de Maria Eduarda, segundo o jornal Extra. Na decisão do último dia 10, o juiz André Pinto defendeu a indenização à família independemente do resultado do julgamento. “É desnecessário saber se a bala partiu da arma do policial ou do bandido; relevante é o fato de ter o dano decorrido da atuação desastrosa do Poder Público”, escreveu. O caso de Maria Eduarda foi citado diversas vezes pela vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em março de 2018. Ela acompanhava a família por meio da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RJ, presidida pelo então deputado estadual Marcelo Freixo. “Essa é a mãe da Maria Eduarda, a menina de 13 anos assassinada em Acari na semana passada dentro do pátio da escola. No seu pescoço, as medalhas que a filha ganhou. Maria Eduarda era jogadora de vôlei e por isso tinha conquistado uma bolsa para estudar em uma escola particular no Rio”, escreveu quatro dias após a morte da menina. |