Por Matheus Rodrigues e Eliane Santos – G1 – 07/04/2021
A dor parece não ter fim, e as memórias seguem intactas. O relato é da estudante de direito Thayane Monteiro, de 23 anos, que sobreviveu ao Massacre de Realengo após ter levado quatro tiros à queima-roupa em 2011.
“Todas as minhas memórias seguem intactas. Eu lembro de tudo até hoje. O que mais me emociona é o fato de Deus me dar uma segunda chance. Sou muita grata a Deus, aos médicos e profissionais da saúde que lutaram pela minha vida. Eu sou só gratidão”, afirmou Thayane.
No atentado que aconteceu há 10 anos, Wellington Menezes de Oliveira entrou armado na Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro da Zona Oeste, e matou 12 crianças.
A sobrevivente Thayane Monteiro disse que, por muitos anos, negou a sua dependência para uma cadeira de rodas após ser diagnosticada com paraplegia e perder os movimentos inferiores.
“Eu passei muito tempo negando a cadeira de rodas, achei que era minha inimiga. Sempre neguei a minha condição. Mas hoje eu tenho um pensamento completamente diferente. Ela que me dá minha autonomia e minha liberdade. Hoje eu tenho essa consciência”.
Crises de ansiedade e frustração
Outros atentados aconteceram em escolas do Brasil e, em cada tragédia noticiada pela imprensa, Thayane sentia crises de ansiedade. Ela tinha a sensação de que a violência voltava.
“Quando eu vejo notícias de outros massacres, parece que eu estou revivendo tudo de novo. É como se tivesse acontecendo comigo. Tenho crises de ansiedade, mas eu respiro e logo passa”, contou ao G1.
“Saber que isso aconteceu comigo e continua acontecendo me frustrou muito. Eu achei que isso ia acabar e o estado ia cuidar mais das escolas, da segurança dos alunos, da saúde mental dos alunos. Mas depois cai no esquecimento”, completou a estudante.
‘Você se acostuma com a dor’
Quem também traz muito viva em si as memórias do dia 7 de abril de 2011 é Kelly Guedes, de 35 anos. Ela perdeu a irmã Géssica Guedes Pereira, que tinha apenas 15 anos.
Na memória, a relação meio maternal das duas, as brincadeiras de Géssica com o filho de Kelly, na época com 2 anos, e muitos pensamentos de como seria a menina agora, 10 anos depois.
“Como eu era mais velha e já trabalhava na época, sempre comprava as coisas para ela. A gente tinha uma coisa meio de mãe e filha também. Quem diz que o tempo cura a dor mentiu. A dor não passa. Você se acostuma, aprende a conviver com ela, mas não passa”, diz Kelly.
O episódio deixou também traumas. Kelly diz que, mesmo sem condições financeiras, não consegue mandar o filho para uma escola pública.
“Não sei. Sempre acho que vai acontecer novamente. Acho que as escolas públicas acabam sendo mais expostas. Não tenho coragem”, diz ela que na quarta-feira (7), pela primeira vez em 10 anos, não vai se reunir com os familiares das outras vítimas por causa da pandemia.
“Todos os anos a gente se encontra ou na porta da escola ou junto às estátuas. É importante ver que outras pessoas estão sentindo o mesmo que a gente. Um dá força para o outro e alivia a dor”, diz.
‘Em nome dela, eu escolhi lutar’
Adriana Silveira, mãe da vítima Luiza Paula, disse ao G1 que ninguém conseguiu sair inteiro após o Massacre de Realengo.
“São dez anos de muita luta. A gente não sai inteira de um massacre como esse. A dor existe, a gente aprende a conviver com essa dor. Parece que foi ontem, parece que o tempo passou e a gente não percebeu”, disse Adriana.
“A gente pensa o tempo todo como ela estaria hoje, o que estaria fazendo. Tenta imaginar quem ela seria. Foram sonhos interrompidos dentro daquela escola. A gente fica pasmo por querer saber como as vítimas estariam. São 10 anos de muita saudade”, completou a mãe de Luiza.
Familiares, amigos e sobreviventes ainda sofrem pelas vidas perdidas. Adriana Silveira disse que ainda luta, através da ONG Anjos de Realengo, para ter mais segurança na educação do Rio.
“O que aconteceu em 2011 foi um tapa na cara de toda a sociedade. Você olhar para o lado e não ver seu pedacinho dentro de casa. É muito difícil. Mas ela existe, ela está aqui comigo. Eu escolhi, em nome dela, lutar para que a gente tenha mudança na nossa educação e na nossa segurança”.
Antídoto para dor veio do novo irmão
Tainá dos Santos Nascimento, de 25 anos, ainda lembra da semana que antecedeu o massacre da escola Tasso da Silveira. Ela conta que a irmã do meio, Milena, na época com 14 anos, era sempre carinhosa, mas que naquela semana dizia “Eu te amo” o tempo todo e coisas como “Se algo acontecer a Tainá ou a Helena – a irmã mais nova -, ela não iria aguentar”.
Como numa triste premonição, a única que não saiu com vida da escola onde as três irmãs estudavam foi Milena.
“Ainda é dolorido lembrar que perdemos uma parte da gente, que tinha tantos planos, que ela não está mais aqui, mas também é gratificante saber que tivemos ela como irmã, mesmo que por pouco tempo”, diz Tainá, que transformou a vivência traumática na escola em profissão e hoje cursa o terceiro período do curso de pedagogia.
Homenagem no Cristo Redentor
Mesmo com a pandemia, uma missa pelos 10 anos da morte das vítimas do Massacre de Realengo será realizada no Santuário do Cristo Redentor, na quarta-feira (7), às 17h, para poucas pessoas.
A celebração será presidida pelo Padre Omar, terá a participação dos cantores Elba Ramalho e Mumuzinho e será transmitida ao vivo pelo YouTube do Cristo Redentor.
Mães das vítimas que morreram no massacre e alguns familiares estarão presentes na cerimônia.
O massacre
Na manhã do dia 7 de abril de 2011, um atirador entrou na Escola Municipal Tasso da Silveira matou 12 estudantes e feriu outros 13 com idades entre 12 e 14 anos.
Os assassinatos ocorreram quando Wellington Menezes de Oliveira, um ex-aluno, entrou armado no colégio e atirou contra vários adolescentes.
O massacre foi interrompido por uma equipe da Polícia Militar, que foi chamada ao local. O atirador foi ferido em uma troca de tiros com um sargento da polícia e, em seguida, tirou a própria vida.