Advogado de Luciano Macedo disse que irá responsabilizar o hospital pela não transferência da vítima
Por Gustavo Goulart – O Globo – 18/04/2019
RIO – Morto na manhã desta quinta-feira depois de passar por duas cirurgias na quarta-feira no Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes, o catador de papel Luciano Macedo, de 27 anos, realizou o sonho de sua mãe Aparecida Macedo, de 59 anos, de ser avó. Sua mulher, Daiane Horrara, de 27 anos, está grávida de cinco meses. Além da mãe, da mulher e do filho ainda no ventre, Luciano deixa sua única irmã, a auxiliar de produção de uma fábrica em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, Lucimar Mara Macedo, de 38 anos, que não tem filhos.
Luciano faria 28 anos no próximo dia 17 de maio. Ele perdeu o pai muito cedo, quando tinha entre 1 e 2 anos de idade apenas. Segundo sua irmã, aos 18 anos ele foi morar na rua, onde conheceu sua esposa Daiane.
— Ele tinha 27 anos e ia fazer aniversário agora no próximo dia 17 de maio. Perdeu o pai muito novo, entre 1 e 2 anos. A gente não se via muito, não se dava bem, brigava bastante, mas sempre que um precisava do outro se ajudava.
Luciano estudou até a quinta série numa escola em Anchieta onde minha mãe mora. Aos 18 anos ele começou a morar na rua, onde conheceu a Daiane. Ela engravidou.
— Parece que estavam tentando levar uma vida menos sofrida, tentando construir um barraquinho em uma comunidade (Favela do Muquiço, em Guadalupe, perto do local do crime). No dia dos tiros, ele estava indo buscar as madeiras que dariam a ele condições de construir seu barraco. Foi quando o alvejaram ao tentar socorrer a família alvo dos tiros — contou Lucimar.
Lucimar passou a manhã com um funcionário da ONG Rio de Paz aguardando a ida do corpo de Luciano para o Instituto Médico-Legal (IML). A mãe dela e a cunhada foram levadas para casa pelo fundador da ONG, Antônio Costa, que dá assistência à família, para que descansem antes de seguirem para o IML.
Aparecida disse que quer comprar uma roupa nova antes de sepultar o corpo do filho no Cemitério de Ricardo de Albuquerque. Antônio Costa disse que a mulher quer sepultar o corpo do filho ainda nesta quinta-feira, mas ele ainda não foi levado do hospital para o IML.
Uma equipe de reportagem do GLOBO voltou ao local dos disparos na manhã desta quinta-feira e contou 19 marcas de tiros que atingiram carros parados numa oficina mecânica, o elevador de veículos do comércio, a placa dele, a porta de correr de uma loja ao lado e um pequeno bar, que fica próximo. Um Palio que já havia sido retirado do local foi atingido por nove tiros, de acordo com o dono da oficina e do advogado João Tancredo, que esteve no local.
O advogado, cujo escritório assiste à família do catador de papel, disse, na manhã desta quinta-feira, que vai cobrar da União uma indenização para os parentes da vítima, a mãe, Aparecida Macedo, de 59 anos, e a mulher dele, Daiane horrara, de 27 anos, grávida de 5 meses. Luciano morreu na manhã desta quinta-feira depois de passar por duas cirurgias na quarta-feira, que, segundo João Tancredo, não foram autorizadas pela família dele. O advogado disse que o Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes, desrespeitou por três vezes ordens judiciais para transferir Luciano para outra unidade capaz de atendê-lo de forma adequada. Por isso, disse João Tancredo, ele vai responsabilizar médicos da unidade responsáveis pela não transferência da vítima e pelas cirurgias feitas no hospital.
— O Hospital Carlos Chagas não tinha condições de operá-lo. Por isso a justiça determinou a transferência dele para outra unidade, o que não foi cumprido. Vou responsabilizar os médicos pela morte de Luciano — afirmou.
João Tancredo criticou a atitude de um coronel do Estado-Maior de um quartel do Exército que mandou uma equipe ao Hospital Carlos Chagas para interrogar Luciano.
“Hoje, fomos surpreendidos pelo texto enviado pelo senhor com a demonstração eloquente de desrespeito às mais comezinhas garantias constitucionais e aos direitos humanos com a ida de uma tropa militar ao hospital buscando informações sobre o estado de saúde de Luciano. Por que, segundo a direção da unidade, e confirmado pelo texto enviado pelo senhor, com a finalidade de levá-lo para prestar depoimento em uma unidade militar. Informa ao senhor que todas as vítimas do evento, à exceção de Luciano, prestaram depoimento no Ministério Público Mais, o que dispensa suas oitivas em uma unidade militar”, escreveu João Tancredo ao coronel.
Os tiros disparados por militares do Exército atingiram pelo menos quatro veículos parados em frente a uma oficina. Um deles é o Tempra placa GTJ-8462, que teve os vidros laterais direitos estilhaçadas e a lataria perfurada por pelo menos duas balas. No vidro traseiro deste Tempra foi colada uma frase que diz “Dias melhores virão e Deus é fiel!”.
O local é um dos acessos a Favela do Muquiço, em Guadalupe. Moradores próximos disseram que Luciano era visto no local há cerca de 5 meses, indo e voltando de dentro da comunidade e catando papéis.
— Ele parecia ser um cara bacana. Nunca houve reclamação contra ele por parte de ninguém. Ia e vinha de dentro da comunidade sempre com objetos achados que eram vendidos pela região em ferros-velhos — contou um morador.
Em nota, o Comando Militar do Leste informou que a declaração sobre o comparecimento de militares para levar o catador para prestar depoimento não procede. Segundo o documento, “foi solicitada apenas, por orientação do Ministério Público Militar, cópia do boletim de atendimento médico do sr. Luciano, boletim este datado de 7 de abril. Esse documento é necessário para consubstanciar as diligências ora em andamento, solicitadas pela Justiça Militar da União”.