João Tancredo – Escritório de Advocacia

‘O Estado precisa pagar caro pelas vidas que ceifa’

Por Matheus Magioli – A Nova Democracia – 01/08/2019

Nesta semana, a família do músico e vigilante Evaldo Rosa, assassinado pelo Exército com 80 tiros em Guadalupe, zona norte do Rio, entrou com um pedido de indenização à União pelo bárbaro crime de Estado. Os militares responsáveis pelo assassinato respondem ao crime em liberdade. Junto com Evaldo, também foi executado o catador de materiais recicláveis, Luciano Macedo, que tentou ajudar a família do músico.

A execução do músico, ocorrida em 11 de abril deste ano, chocou o país em um covarde ataque no qual foram disparados mais de 250 tiros, resultando, além das mortes, no ferimento de Sérgio Gonçalves de Araújo, sogro de Evaldo.

Além do assassinato dos dois trabalhadores, o Exército foi responsável pela destruição de duas famílias que tiveram seus entes queridos mortos na ocasião. Luciano Macedo deixou sua esposa grávida de seis meses e Evaldo Rosa deixou esposa e um filho pequeno.

A defesa da família de Evaldo exige o justo pagamento de 300 a 1 mil salários mínimos para a viúva e ao filho de Evaldo, além de tratamento de psicológico e psiquiátrico.

‘AS INDENIZAÇÕES SÃO UMA FORMA DE PUNIÇÃO AO ESTADO’

O escritório do advogado democrático João Tancredo assiste a ambas as famílias: de Luciano e de Evaldo. João Tancredo, presidente do Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos (DDH) é um conhecido defensor dos direitos do povo, tendo atuado na defesa da família do desaparecido forçado Amarildo de Souza, no morro da Rocinha, crime cometido por policiais militares; no caso da prisão do jovem catador de material reciclável Rafael Braga, preso com produtos de limpeza em uma manifestação no Rio em 2013; e também na defesa dos familiares das vítimas da Chacina de Costa Barros, que vitimou cinco jovens com 111 tiros disparados pela Polícia Militar (PM).

Em entrevista ao jornal A Nova Democracia, a equipe de João Tancredo esclareceu que a indenização é um reparo necessário que, longe de amenizar a perda sofrida pelos familiares, visa o amparo material à família e punição ao velho Estado.

— Em primeiro lugar, as indenizações são uma forma do Estado garantir uma reparação pelos danos gravíssimos causados por seus agentes, ainda que qualquer reparação material seja insuficiente para sanar o sofrimento da família. Em segundo lugar, são uma forma de punição ao Estado, com intuito de evitar que esse tipo de coisa se repita. Por isso, para todos os efeitos, é fundamental que os valores das reparações sejam expressivos — declarou.

— A justiça tem o dever de dar um recado claro: o Estado precisa pagar caro pelas vidas que ceifa. Os militares não podem normalizar o assassinato de cidadãos brasileiros como se fossem inimigos de guerra. Esse caso deve servir para as instituições mudarem radicalmente sua atuação — cravou.

O escritório de advocacia João Tancredo ingressou com as duas ações de reparação para a família de Evaldo Rosa, no último dia 23 de julho. Sobre os trâmites dessas ações, o advogado explicou:

— Uma das ações ajuizadas tem como autores o núcleo familiar de Evaldo: a viúva, o filho, os pais e os quatro irmãos. Aqui reivindicamos para todos eles pagamentos de dano moral em valores que variam de 300 a 1 mil salários mínimos; pagamento de tratamento psicológico e/ou psiquiátrico; do funeral; e do sepultamento — diz. E complementa: — Esta ação pede ainda a concessão da tutela de urgência para que a viúva e o filho de Evaldo recebam imediatamente uma pensão mensal equivalente aos ganhos do músico e vigilante, quantia igual a cerca de cinco salários mínimos.

Em relação a esta ação, a defesa nos informou ainda que o juiz responsável concedeu cinco dias à Advocacia-Geral da União (AGU) e ao Ministério Público Federal (MPF) para se manifestarem e, só então, ele emitirá sua posição. Isto obviamente atrasa a concessão do mais do que justo benefício à família. Importante destacar também que, como pai de família, Evaldo era o principal mantenedor de sua mulher e filho.

Sobre este fato que trouxe morosidade à concessão dos benefícios, a defesa criticou:

— Não vemos o menor sentido nisso, mas estamos aguardando e acreditamos que teremos um desfecho até o final dessa semana — afirmou.

Já sobre a segunda ação impetrada, a defesa explicou que tem como autores o padrasto da viúva e uma amiga da família, pois ambos estavam dentro do carro alvejado pelos mais de 250 tiros disparados pelos militares. A ação abrange também a mãe da viúva. Esta ação reivindica para todos eles pagamentos de dano moral em valores que variam de 300 a 500 salários mínimos e de tratamento psicológico e/ou psiquiátrico. Para o padrasto, ferido pelos disparos, também se reivindica dano estético e pensão proporcional às limitações físicas que as lesões impõe ao seu trabalho.

Os familiares do catador Luciano Macedo, que também são assistidos pelo Escritório de Advocacia João Tancredo, decidiram esperar mais algumas semanas para ingressar com ação com o objetivo de preservar a saúde da viúva de Luciano que, grávida com nove meses de gestação, está profundamente abalada física e emocionalmente.

LENTIDÃO É A REGRA PARA ATENDER OS DIREITOS DO POVO

Em relação ao andamento do processo e das investigações, a defesa afirmou que percebe a lentidão padrão, infelizmente constatada como regra, e não exceção. Lentidão sempre observada pela equipe de AND quando os processos tratam de defender os interesses e direitos do povo. Situação bem diferente dos processos que atacam os direitos dos operários e camponeses, como as concessões de reintegração posse à latifundiários corruptosremoção de famílias pobres de suas casas; absolvição de ricaços e magnatas réus de crimes confessos etc. Estas últimas sim, têm trâmites que correm com velocidade admirável.

Embora os advogados tenham afirmado ainda não ter se deparado com dificuldades burocráticas maiores além das habituais, manifestaram preocupação em relação ao corporativismo tradicional que afeta a Justiça Militar, cujo modus operandi é arrastar os processos por longos períodos para proferir, ao final, suas decisões, geralmente benevolentes aos militares criminosos.

A defesa também esclareceu que os 16 militares partícipes do assassinato estão respondendo pelos crimes em liberdade, visto que a Justiça Militar imputou sobre eles somente a violação de “não cuidar do patrimônio militar de forma adequada”, cuja pena prevista é de até seis meses de detenção, não sendo prevista nem mesmo a reclusão. Porém, quanto aos crimes de duplo homicídio e tentativa de homicídio, a defesa afirma não ter dúvidas que todos os militares serão julgados e condenados.

ASSASSINATOS SÃO PARTE DA GUERRA CONTRA O POVO

O crime perpetrado pelo Exército contra as famílias trabalhadoras na zona norte do Rio de Janeiro não é um caso isolado comparado à situação política do país.

O bárbaro crime ocorre em meio a um golpe de Estado contrarrevolucionário preventivo ao inevitável levantamento das massas, que desembocou com a farsa eleitoral na conformação do governo do fascista Bolsonaro tutelado pelo Alto Comando das Forças Armadas. Fato este que tem levado cada vez mais o Exército genocida às ruas como linha de frente da vil ofensiva da guerra contra o povo.

A respeito dessa escalada policial, que tem imposto o mais bárbaro genocídio ao povo pobre e negro, principalmente nas favelas e no campo de nosso país, também amparada e impulsionada pela ofensiva política e ideológica da extrema-direita, o advogado democrático também se posicionou:

— Não tenho dúvidas que as declarações do governador (Wilson Witzel) e do presidente (Bolsonaro) têm um efeito maléfico sobre as forças de segurança nas ruas. É de uma irresponsabilidade atroz a sustentação desses discursos. Na prática, eles acabam por autorizar condutas como essa dos militares que dispararam 257 tiros em direção ao carro de Evaldo, mesmo que não tivesse havido qualquer confronto — criticou.

Falando sobre os desafios para os setores democráticos frente à situação política, João Tancredo também alertou:

— A conjuntura exige uma atuação ainda mais enérgica de todos os defensores dos direitos humanos, incluindo os advogados. Precisamos ter a voz ativa para denunciar e atuação firme para impedir o aprofundamento da barbárie. Mas precisamos também avançar coletivamente, ampliando as alianças com amplos setores da sociedade.