Por João Tancredo – artigo publicado na coluna Além da lei da Revista Cult
Gilson era auxiliar de pedreiro. Em cinco de janeiro de 2001, ele tinha 26 anos e ladrilhava o quarto andar do Edifico Salvador Dali, no bairro do Méier, no Rio de Janeiro (RJ), quando sofreu uma queda do andaime e morreu.
No processo que movemos em nome de seus familiares, ficou comprovado que as empresas para as quais trabalhava não forneciam cinto de segurança, equipamento de proteção individual (EPI) necessário para atividades acima de dois metros de altura.
Para piorar, provas testemunhais também asseguraram que um cinto de segurança foi colocado na vítima após o acidente, numa clara tentativa de evitar a responsabilização dos empregadores.
A morte de Gilson é apenas uma das cerca de 4 mil que acontecem todos os anos no país em decorrência de acidentes de trabalho, de acordo com levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Os números colocam o Brasil em quarto lugar no ranking mundial de mortes deste tipo e revelam uma verdadeira cultura de não-prevenção e proteção do trabalhador. O caso de Gilson, em particular, revela também o grau de perversidade que resulta desta cultura.
Paradoxalmente, quando o assunto é a relação patrão-empregado, o que vemos imperar no país nos últimos anos é o discurso pela desresponsabilização do primeiro. Esta foi a marca da Reforma Trabalhista aprovada pelo governo Michel Temer e também é a política do atual presidente, que já durante a campanha afirmou que os trabalhadores deveriam escolher entre ter “menos direito e mais emprego ou todos os direitos e o desemprego”.
Por vias tortas, a pandemia da Covid-19 tem recolocado no centro da pauta a importância do trabalhador e do trabalho seguro para a vida em sociedade. Enquanto a insensatez perversa e a ignorância bradam contra a medida mais eficaz já conhecida para combater a proliferação do vírus – o isolamento social -, a realidade concreta força até os governos neoliberais a garantir renda para a classe trabalhadora.
O risco de vida eminente que a Covid-19 impõe a toda a sociedade promove uma súbita preocupação com a segurança no trabalho, centrada particularmente no uso de máscaras. Nunca a utilização de uma EPIs foi tão comentada no país.
É também neste contexto que deverá ser aplicada a tese aprovada pelo Supremo Tribunal Federal em março, que fixou o entendimento de que é constitucional a responsabilidade objetiva (quando é desnecessária a análise de culpa) do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei ou nas atividades consideradas de risco. Entendimento que, no que depender da advocacia crítica, deverá se estender para todos os trabalhadores que contraírem a Covid-19 em decorrência de seu ofício em tempos de pandemia.
O dia de hoje, 28 de abril, é o Dia Internacional em Memória às Vítimas de Acidentes e Doenças de Trabalho. Lembremos destes casos para tomar medidas que evitem sua repetição. Lembremos que os direitos dos trabalhadores não são uma questão passageira, a mercê dos governantes de turno. Não esperemos os contextos mais adversos, como a morte de Gilson ou a pandemia. Para isto serve a memória. Lembremos.